segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Castelo de areia e uma pitada de concreto


Ela agora está deitada na cama, letárgica, sem reação, com um litro de vinho barato em uma mão e um beck na outra. Os olhos estão esfumaçados, numa mistura de maquiagem e noite mal dormida. Ela olha para o teto mas não o enxerga, seus olhos estão para além dele, não se sabe o que se pensa, mas se sabe que é um pensamento visceral sobre sua chegada àquele estado que se encontrava no momento.

Seu corpo está marcado por símbolos que ela não mais acredita, por batalhas que não mais encampa. Carrega uma casca pesada que nem ela mais aguenta. Seus cabelos com mexas coloridas completam a personagem que ela idealizou como sendo a melhor forma de se viver, mas que na verdade só busca esconder o que de fato passa nos seus mais profundos sentimentos.

Ela não está feliz. Não está feliz porque atingiu a sua personagem tão desejada e ainda assim se sente “incomodada”, é esse o eufemismo que ela se utiliza para não mencionar a palavra “vazia”. Mas já não adianta mais, ela já correu muito e está prestes a dar com a cara na parede, é hora de parar de fugir de si. Mas do que ela tanto foge? O que dentro dela é tão sombrio que ela não encara de frente? Essa é mais uma demonstração de que a personagem forte, de dedos sempre em riste, que fala palavrão, que é uma rocha inquebrantável já não aguenta mais assumir esse protagonismo na sua vida, e que agora é a hora de lavar a cara, apagar a personagem e assumir as rédeas da sua vida, e isso lhe atormenta de modo abissal!

Mas sente- se um pouco com ela e fale sobre fotografia, cinema e anos 80, fale sobre o parque que seu pai a levava quando criança, fale pra ela das noites que ela sentava- se à mesa da cozinha olhando com admiração a sua mãe como sendo o ser mais poderoso entre todos os mortais. Se fizer isso vai notar uma mudança inexplicável do seu olhar cinza, pra um brilho jamais visto antes em qualquer olhar. Pois ela é uma menina que ainda acredita no ser humano, é uma eterna otimista incorrigível! É empática, ama a beleza do desabrochar das flores, gosta de pisar na grama e de sentir a areia da praia entrando entre as frestas dos seus dedos enquanto fecha os olhos e sente a brisa do mar bater em seu rosto.

Nesse momento ela sente a vida fervendo no sangue e lembra de todos seus objetivos, do que lhe move e do que faz sentido na vida pra ela. Não são as noites sem fim, não é sua compulsão por sexo, não é o uso indiscriminado de álcool. A vida dela era doce, a vida dela era leve, mas como sempre, em nossa eterna mania de sintetizar e soterrar tudo aquilo que somos por algo que não acreditamos e que são muitas vezes impostos, nos tornamos seres desfigurados e sem motivos de existir. 

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